Duvidar

Sempre que a vida deixa de me acompanhar,
tenho a impressão de que sou doente
que não controlo os sentidos
que a vida é sem  mim o mesmo que comigo seria
penso na noite, penso na madrugada
penso na próxima manhã

penso se será diferente e esqueço de te ligar
de ouvir teu nome no coração
de gostar da poesia das tuas palavras
penso no brilho
na teimosia
na vontade de te encontrar sempre pronta
no gosto de ser teu
na saudade

a vida sempre sem sentido completa o dia
a noite vem e não acaba
termos depressivos
ares proibitivos
desejos escondidos
como se a noite fosse companheira
e quer apenas apunhalar nossos sonhos

decidi não sonhar, não chorar
deixar o corpo ir
a mente rachar
a decência enlouquecer
não há mais maneiras de deixar o mundo
e não quero suicídio
não quero a morte

não tenho medo
pode ser apenas que aquilo que parece o fim seja mais um início
além do mais morrer não pode ser tudo

talvez eu esteja errado, talvez eu esteja certo
talvez
quero ser algo que não consigo definir
pela preguiça, pela pressa, pela vontade de sorrir

digo que estou vivo
mas não sei se já morri

digo que sorrio
mas não sei se quero ser feliz
digo o que penso e faço tudo pra ninguém me ouvir



LINDA

Te gosto chuva caindo chuva
me aprisionando neste apartamento
espaço apertado úmido
meio escuro meio grotesco
gosto de te ver pingar e respingar
salpicar e não me molhar
gosto dos teus beijos no vidro
dessa aparência latente de menina teimosa
que embaça a janela
esconde o horizonte
e foge do vento marcando tudo com água
gosto de tentar te descrever
de fazer insistentes teus gestos
de guardar em frascos teu cheiro
de inventar possuir e beijar teu ventre
gosto gosto muito
porque vens com força
porque vens contente
porque de repente paras e me deixas esperando
aí cometo a loucura de sair na rua
sem meu guarda-chuva
não posso perder o tempo de te admirar
gorda e flutuante
em gigantes nuvens anunciantes
de mais uma metamorfose
gosto de ti quando voltas chuva
e me fazes fugir como um menino assustado
porque voltas rápida e monstruosa numa tormenta
o medo passa quando fecho a porta
e te vejo linda e provocante através da janela



HINO



Misturando vinho com pele
não sentimos a cabeça
faca do tempo e lugar
cortando nossas bocas
ser feliz
nada como ser feliz
ser feliz
cantando um hino aos teus pés
não deixar essa noite acabar
não pensar
se todo o resto faz mal
ser feliz
nada como ser feliz



HORIZONTE

Se os pássaros que guiam na estrada
fossem pássaros de mel
o pôr do sol
que ainda tem no horizonte
se esconderia nas montanhas da tua vida
brilharia no lago do teu corpo
e me faria parar
no meio do nada
no meio da via
a contemplar o azul
que escondes de mim